Um dispositivo eletrônico que permite salvar vidas

23/09/2016

Um dispositivo eletrônico que permite salvar vidas

Emilio, Mario e Kako tinham trabalhado como voluntários em iniciativas humanitárias em El Salvador e conheciam a fragilidade das comunidades menos favorecidas em caso de desastres naturais. Por isso, cafezinho mediante, pensaram e idearam um dispositivo de alerta precoce para os momentos de colapso dos sistemas de comunicação tradicionais pela ocorrência de situações de emergência naturais, em que as primeiras horas são cruciais para salvar vidas.

Essa ideia virou o Kit Reação, um dispositivo eletrônico de código aberto que permite às comunidades comunicar-se entre si e com as instituições de ajuda humanitária em caso de desastres naturais.

O projeto recebeu um subsídio de FRIDA (Fundo Regional para a Inovação Digital na América Latina e o Caribe) que lhe permitiu desenvolver os primeiros protótipos do Kit Reação e fazer os primeiros testes de campo, contou Emilio Velis da Rede Ação Comunitária.

Em diálogo com LACNIC News, Velis contou as peripécias de uma iniciativa que também foi distinguida pela MIT Technology Review como uma das mais inovadoras da América Central.

Em que consiste o Kit Reação e como nasceu a ideia?

A Rede de Ação Comunitária é um sistema open source de alerta precoce que trabalha principalmente com a organização comunitária local. Nosso projeto esteve baseado em um sistema de comunicações para empoderar os grupos mais vulneráveis durante e depois da ocorrência de um desastre natural, nos momentos em que as redes ficam saturadas ou as infraestruturas danadas.

Com isto em mente, desenvolvemos uma rede sem fio para que os líderes comunitários possam registrar seu estado para compartilhar com outros grupos locais e organizações de ajuda humanitária durante as primeiras horas após um evento natural, o que pode permitir salvar vidas em áreas pouco acessíveis ou durante eventos críticos.

Nossa ideia nasceu em janeiro de 2014 conjuntamente com outros dois amigos da comunidade Open Hardware em El Salvador, Mario Gómez e Kako Valladares. Nós três queríamos focar em um problema social ou ambiental do nosso contexto local. Trabalhamos durante uns meses no desenvolvimento da ideia, tempo em que contamos com o apoio da Organização Conexão [http://www.conexion.sv/] em El Salvador.

Quais foram os avanços atingidos a partir dos subsídios obtidos do programa FRIDA?

Durante o ano de duração do projeto, trabalhamos na primeira implementação dos nossos protótipos. Trabalhamos durante estes meses com as comunidades Fátima e Getsemaní do departamento de Ahuachapán, desenvolvendo oficinas de formação e de co-criação, em que os diferentes aspectos da interface de usuário foram validados e inclusive melhorados pelos futuros usuários. A partir disso, desenvolvemos e fabricamos os dispositivos e realizamos testes de campo.

Além dos fundos para a implementação, ganhar o subsídio de FRIDA abriu as portas para a colaboração com várias instituições a nível local e internacional, graças à credibilidade do nosso trabalho na execução desta implementação, e ainda conseguiu gerar sinergias para o trabalho juntamente com instituições que nos apoiaram de várias maneiras. Conexão foi dos primeiros em acreditar em nós, e Frida o primeiro a apostar no potencial da ideia, o qual foi valioso para atingir o nível atual de desenvolvimento do projeto.

Qual é o alcance que o kit tem hoje?

A nível de desenho, um transmissor tem um alcance em áreas rurais de 100m a 1500m. Toda esta análise depende de vários fatores, tais como as variações na altura do terreno, o número de árvores, obstáculos. Estamos gerando uma rede onde as pessoas podem registrar sua localização, seus movimentos e seus comportamentos, para poder analisar o que as pessoas fazem em uma situação de crise e melhorar a nossa forma de treinar as comunidades para projetar melhores planos de emergência.

Qual foi a repercussão do kit na comunidade?

A partir desta experiência piloto, na que ministramos cerca de 15 oficinas, temos um grupo muito coeso que já trabalhou com nós, não apenas participando do treinamento, mas também formando os nossos líderes comunitários para treinar outras pessoas. Nosso maior sucesso foi o empoderamento da comunidade.

Já foi usado em algum desastre natural? Que resultados foram obtidos?

Como equipe de Reação assumimos o compromisso de não deixar à comunidade mesmo após a conclusão do projeto. Hoje estamos no início da etapa de simulação do dispositivo, em que estamos validando seu uso no campo com os seus usuários. Para isso, estamos usando os dispositivos para jogos colaborativos.

Este mês vamos jogar algo semelhante a “Capturar a bandeira” com equipes que enviam suas localizações para coletar itens espalhados em um terreno, simulando o resgate para uma zona de risco, utilizando o kit Reação. Isso nos permite analisar a forma como as pessoas reagem quando um evento natural ocorre e são capazes de se comunicar com seus vizinhos. Tudo isso servirá para preparar os habitantes das comunidades para o momento em que um verdadeiro evento natural as afete.

O que significa para você e para o projeto terem sido reconhecidos pelo MIT Technology Review entre os mais inovadores da América Central?

Foi incrível! Começamos em janeiro de 2014, tomando um cafezinho e fazendo um rascunho em um papel. Um par de meses depois Mario fabricou os primeiros três protótipos que custaram $182, e seis meses depois, com o subsídio de FRIDA, começamos a falar de um projeto de verdade.

O prêmio foi certamente um reconhecimento pessoal, mas estamos todos cientes do esforço não apenas dos que estivemos no início, mas também do apoio que recebemos de todos os atores que acreditaram em nós, de uma forma ou de outra.

Todo este tempo tem sido muito valioso para nós. O apoio de Conexão a nível local tem sido importante para tornar-nos conhecidos localmente com muitos atores, e Frida facilitou tanto a abordagem a nível comunitário quanto a nível internacional, até chegar ao radar da revista tecnológica mais antiga do mundo! Foi um incentivo para o trabalho de todos nós, que nos tem empurrado para frente.

Quais são os seus próximos objetivos com este projeto?

Atualmente, estamos focados em usar o modelo de intervenção para que ele possa ter impacto em mais pessoas. Entre os planos para futuras implementações estão uma expansão para comunidades próximas a Fátima e Getsemaní, bem como outras regiões como a Colômbia, a Amazônia no Peru, etc. Tivemos a oportunidade de falar de Reação no MIT no ano passado durante a Conferência Mundial de Fab Labs (Fab11), e isso abriu a oportunidade de ser um projeto promovido pelo Laboratório Humanitário global [https://interagencystandingcommittee.org/system/files/ghlbrochure.pdf – Pág. 24], uma organização apoiada pela Cruz Vermelha, a ACNUR e o PMA, o que nos dá a oportunidade de sonhar em gerar impacto para muitas mais pessoas.

Para alcançar este objetivo, estamos neste momento trabalhando na criação de um ecossistema regional em relação ao monitoramento de variáveis das mudanças climáticas e à geração de planos comunitários eficazes. Queremos conseguir que El Salvador se torne uma referência para essas questões para impactar o continente americano, onde mais de 50 desastres naturais ocorrem a cada ano.

Como vocês resumem a sua experiência com Frida?

Ganhar um subsídio tão valioso como FRIDA nos aproximou a uma comunidade de pessoas a nível regional que estão no mesmo que nós. É óbvio que um trabalho como o de FRIDA não só tem a ver com a criação de conhecimento científico, mas também com a promoção do desenvolvimento local através do acesso à conectividade, e é emocionante fazer parte de uma comunidade de pessoas que estão focadas nestas bases para o benefício das comunidades locais e regionais. Além disso, fomos capazes de escalar a nossa ideia a partir de três protótipos de $182 para um verdadeiro impacto comunitário e a oportunidade de salvar vidas em caso de catástrofes naturais, não apenas em El Salvador, mas na região. Isso não tem preço, e nós somos gratos pela confiança que FRIDA depositou em nós.

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