María Julia Morales González

30/07/2018

María Julia Morales González

“A participação das mulheres não deve ficar em um discurso politicamente correto”

Em busca de um maior envolvimento das mulheres nas áreas das Tecnologias da Informação na região, LACNIC promove ações para fortalecer o papel feminino nas áreas de tomada de decisões da Internet na América Latina e o Caribe.

Uma das iniciativas realizadas foi a criação da lista IT Women, com mais de 250 participantes que debatem e trocam ideias e projetos para, entre outros objetivos, tentar reduzir o fosso de gênero nas TICs.

María Julia Morales, pesquisadora no Observa TIC, indagou sobre o perfil, motivações e preocupações das pessoas da lista IT Women e redigiu um documento como insumo de reflexão e debate sobre a situação real das mulheres no mundo da Internet.

Quais os objetivos perseguidos neste trabalho de pesquisa sobre o perfil dos participantes da lista de IT Women? 

Buscamos entender como a lista é composta, identificar o perfil dos participantes e ouvir suas percepções sobre os espaços de participação que relacionam as mulheres às áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, por sua sigla em inglês) nas quais estão inseridas.

A partir daí, poder pensar em ações que tenham como compromisso a participação das mulheres na vida institucional de LACNIC neste caso, e em geral no mundo das TIC.

Qual foi a motivação para fazer a pesquisa?

Ser mulher, mãe de uma mulher, pesquisadora. Eu acho que essa foi a minha primeira motivação, mas também acreditar que as mulheres têm muito a contribuir. Depois porque a área das TIC, que me atrai profissionalmente, ainda está longe de dizer que as mulheres se apropriaram das TIC. E eu me refiro a todos os processos que as envolvem, incluindo aspectos técnicos, políticos, sociais, etc.

E por último, mas não menos importante, eu acho que LACNIC, neste caso em particular, tem uma intenção real de contribuir para preparar o caminho para as mulheres e que elas participem.

Quais perfis você encontrou nas pessoas da lista que responderam às perguntas da pesquisa? 

A metade das mulheres tinha entre 36 e 50 anos e era seguida por um grupo muito importante entre 21 e 35 anos. Que quase todas elas possuíam ensino superior ou universitário completo, que as áreas mais representadas eram as áreas de engenharia ou tecnologia, e um número significativo nas áreas sociais. Isso último foi um achado agradável, que apenas afirma que é necessária uma abordagem interdisciplinar para compreender os processos que envolvem às TIC.

A maioria delas tem trabalho estável. Pouco mais da metade trabalha em áreas relacionadas com as telecomunicações e em menor quantidade na área educacional; realizando seu trabalho em posições médias e/ou técnicas e uma porção pequena mas não insignificante em posições superiores.

Quais são os espaços em que as mulheres mais participam e quais são os mais difíceis de acessar?

Ao indagar sobre o conhecimento dos espaços de participação em LACNIC, o número de pessoas que os conheciam foi significativamente maior do que quando foi indagada a participação efetiva nesses espaços. Os espaços com maior participação foram os relacionados às listas de LACNOG, Comunicados, Governança e Políticas, porém nesses espaços de participação ativa, se assim podemos dizer, são mencionados os eventos, o Fórum de Políticas e o cursos à distância. Também merece menção que esta participação é minoritária, uma vez que, com exceção dos eventos, não excede uma quarta parte das mulheres.

Em referência às dificuldades que identificam, a falta de recursos econômicos é mencionada em primeiro lugar. Isso não é significativo em muitos dos espaços de participação já que os mesmos geralmente são à distância. No entanto, existem outros inconvenientes mencionados repetidamente e significativos para estas mulheres, e que referem à desinformação dos mecanismos de participação, a falta de tempo, a falta de estímulo e apoio do ambiente de trabalho, a incompatibilidade da agenda de trabalho ou a falta de tempo em geral.

Quais as conclusões que você levantou das respostas obtidas das mulheres na pesquisa?

A enquete também indagou sobre as motivações para participar desta lista em particular. Com isso podemos inferir que as mulheres têm um interesse real em participar desses espaços e acreditam, em geral, que podem contribuir desde suas áreas profissionais e/ou pessoais para o empoderamento das mulheres no mundo das TIC e, em particular, no ecossistema da América Latina.

Por que você acha que as mulheres têm menos participação que os homens nos espaços de decisão nas organizações ligadas à Internet?

Acho que devemos primeiro entender que essa dificuldade não é exclusiva das organizações ligadas à Internet, mas um problema presente em todas as áreas, dado que é um problema cultural no qual crescemos e no que as organizações estão inseridas, seja qual for o seu campo de ação.

Existem barreiras subjacentes à área de ação de uma organização e que deve ser entendido no contexto em que as organizações desenvolvem suas ações. A América Latina, uma e diversa, por causa de sua história, suas crenças, sua economia e sua cultura, é uma das regiões onde o fosso de gênero está mais presente. Desde os diferentes papeis atribuídos a mulheres e homens no seu nascimento, até a representação nos cargos de decisão de qualquer instituição ou organização.

As mudanças culturais são lentas e são muito resistidas pelos grupos de poder, uma vez que os questionam fortemente; e, nesse sentido, a América Latina tem um longo caminho a percorrer.

Como você acha que o papel das mulheres nesses espaços de decisão pode ser incrementado?

Primeiro, é extremamente importante que a busca dessa participação seja decididamente transferida para as ações e não permaneça em um discurso politicamente correto. Em segundo lugar, compreender e abordar a percepção que as próprias mulheres têm sobre esses processos e, terceiro, acredito firmemente na discriminação positiva como meio de acelerar o colapso do status quo que sustenta o fosso de gênero.

O que as organizações podem fazer para reduzir o fosso de gênero nas TIC?

Seguindo um pouco a lógica da resposta anterior, em primeiro lugar, ações voltadas à sensibilização de tomadores de decisões nas organizações relacionadas à Internet, para que possam apropriar-se do discurso anti-status quo que sustenta o fosso de gênero, de forma de perseguir o fenômeno com a ação de homens e mulheres juntos.

Em segundo lugar, ouvir mais as mulheres que tentam participar e não tiveram sucesso, e responder às demandas que possuem em relação a como ultrapassar os obstáculos que identificam para a participação.

Neste ponto, por meio da pesquisa foram identificadas quatro linhas concretas para serem trabalhadas: a formação para a participação, o acesso às informações e o conhecimento desses espaços, a interação e a colaboração entre pares em busca dessa participação e, finalmente, ações que levem à efetiva participação e o empoderamento da mulher. Isto último diretamente relacionado com a discriminação positiva.